Agora quero te contar um pouquinho da minha história, pode ser que você se identifique com ela e entenda a importância dessa escola na minha vida e de tantas outras mulheres.
Eu sempre amei os livros. Desde que fui alfabetizada tive-os como minha melhor companhia. Lembro-me de abandonar brincadeiras com meu irmão e primos para ficar lendo, perguntava o significado das palavras desconhecidas aos adultos e fiquei felicíssima quando ganhei de presente, aos 9 anos, um grande dicionário. Era um “Aurélio” enorme e pesado e até hoje ele é utilizado aqui em casa como fonte de pesquisa.
Eu era insaciável.
Já na antiga 5ª série (hoje 6º ano), comecei a frequentar a biblioteca da escola e por não ter quem me guiasse, pegava emprestados os livros cuja capa me agradavam. Foi assim que aleatoriamente li meu primeiro clássico: “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emile Bronte. Este é um livro sombrio, com um enredo forte e não recomendado a crianças, mas, mesmo assim, fiquei encantada, soube ali que a boa literatura me acompanharia por toda a vida, porém sentia muita falta de alguém que me mentoreasse por aquele caminho desconhecido e tão cheio de opções e essa sensação me acompanhou por vários e longos anos.
Na época do Ensino Médio eu já escrevia relativamente bem e tinha um conhecimento literário acima da média para a minha idade, mas sonhava com uma lista de clássicos para ler (algo hoje tão facilmente encontrado na internet) e alguém que pudesse me explicar o que não estava patente nas obras. Uma vez recebi no ônibus o panfleto de uma escola de redação e na propaganda eles prometiam ajudar o estudante com leituras guiadas de clássicos, tive muita vontade de me matricular! Não com o intuito de aprender a escrever, mas de poder ter aulas exclusivas de literatura… minha família não tinha condições de pagar para mim um curso assim e eu nem cheguei a cogitar a matrícula, mas guardei o panfleto por meses… (certamente as tais aulas guiadas de clássicos não seriam como eu sonhei e pode ser que eu tivesse me frustrado mais uma vez).
O momento de ir para a faculdade chegou e resolvi estudar Direito porque todos diziam que era um curso para quem gostava de ler, mas decepcionei-me, aquilo não me atraia. Passei para o vestibular em Letras na Universidade Federal de Uberlândia e fiz minha matrícula despretensiosamente, era aluna de dois cursos superiores diferentes, mas apaixonei-me por aquela licenciatura e abandonei os planos de uma carreira jurídica. Assumi a literatura como possível fonte de renda, eu daria às pessoas aquilo que nunca tive.
Após formar-me, passei um período na Inglaterra trabalhando e estudando inglês e quando voltei fui aprovada no mestrado em literatura na mesma universidade em que havia me formado. Contudo, precisava trabalhar e só encontrei oportunidades como docente de língua inglesa (devido à experiência internacional) e o sonho de uma carreira na literatura, apesar do mestrado, foi se tornando cada vez mais distante.
Construí uma carreira sólida como professora de inglês e cheguei a dirigir uma escola, mas a literatura continuava pulsando em mim. Casei-me e mudei de cidade, cheguei a um lugar onde as portas de trabalho, providencialmente, acabaram fechando-se para mim e no meio de tudo isso uma nova Priscilla nasceu.
Continuei lendo, agora com mais tempo – não estava trabalhando – e foco, pois a maturidade intelectual ajudou muito neste último item. Conheci pessoas incríveis na internet, que me mostraram um novo caminho a respeito da vida familiar, da política, da relação com os livros e até mesmo da religião. Reconciliei-me com Cristo, restaurando uma fé antes fria e adormecida, perdi o medo de ter filhos, compreendi melhor o mundo em que vivia e descobri que a literatura, a qual amei instintivamente desde a mais tenra infância, havia sido fundamental na formação do meu caráter e da mulher que eu havia me tornado. Embora eu tenha passado boa parte do tempo “tateando” e em busca de mentores, nenhum esforço havia sido perdido e eu agora estava pronta para mentorear pessoas com buscas parecidas com as minhas.
Orei por um bom tempo pedindo orientação de Deus. Eu sabia que Ele queria que eu trabalhasse com mulheres, mas não sabia exatamente como. Em um insight percebi que um clube de leitura de clássicos 100% online era o que deveria ser feito. A ideia era ler clássicos da literatura mundial sob uma cosmovisão cristã e assim, no final de 2019, nasceu o Entre Sapatos e Livros – Clube de Leitura para Mulheres.
A princípio, pensei que poucas pessoas se interessariam pelo Clube, já que nem todo mundo percebe a importância da literatura na vida real, mas fui em frente. Hoje mais de 500 já passarem pela escola e atualmente temos mais de 200 assinantes ativas, mulheres lendo juntas livros clássicos e conversando sobre eles, usando como base um ponto de vista cristão.
Se eu sonhava em ser mentoreada, hoje faço este trabalho com muito amor e dedicação. Não como uma mestre intocável, que dá instruções do alto de sua sabedoria, mas como alguém que está sempre em busca de novos aprendizados e que, de leitora solitária, passou a ter novas amigas e companheiras de leituras.